segunda-feira, julho 18, 2005

gatos-de-porto

Deambulações dos gatos-de-porto que não nasceram, ainda:
José nunca tinha estado doente e, como era de esperar, quem nunca soube o que era estar doente, nem bem podia adivinhar como se sentia o outro, ali, meio esmoído, todo quebrantado, como se o mundo lhe tivesse caído nas costas e nada pudesse fazer para se levantar dos escombros de quem ele próprio fora.
Em boa verdade, José pensava, não havia necessidade nenhuma de ter sabido antes o que era estar doente para poder perceber como sente quem passa as dores, não é?! Há coisas que mais vale mesmo nunca ter experimentado… isso não quer dizer que não possa sentir também como o outro que nos é bem chegado sente, ora não? Era nesta teia de pensamentos que o José trauteava baixinho uma cantiga de embalar para fazer dormir o gatozinho dos dois, que parecia ter-se lembrado da falta da ninhada irmã e com isso tremia de frio, como vara verde em dia de vendaval. José para ali estava, cantando calado ao rafeirito e desafinando o arrepio do amigo que não via melhorar.

4 Comments:

Blogger Unknown said...

é ali, ali perto que se descobre a nossa vontade de seguir em frente e não perder nunca a nossa identidade, mas a verdade é que o espaço entre o bem estar e o mau estar fica demasiado perto...

10:40 da tarde, julho 18, 2005  
Blogger Dinamene said...

Gostei das palavras: porto, José (sugestivo), rafeirito... qualidades a condizer: esmoído, quebrantado, vara verde. E nomear a dor, mesmo que do outro, não é já tanto?

1:14 da manhã, julho 19, 2005  
Blogger Dinamene said...

Maria, deixo-te lá no Legendas a Joni Mitchell. E obrigado por ma teres lembrado. É lindo!
Bjo.

4:57 da manhã, julho 19, 2005  
Blogger Sérgio Gonçalves said...

É a dor que nos constroi. A adversidade é a pedra basilar do que somos.
Sem ela seriamos vazios, incapazes de compreender realmente o que nos rodeia.
É nesse sentido que o fado canta a dor de todos e de cada um.

9:55 da tarde, julho 19, 2005  

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