quinta-feira, junho 23, 2005

o Tempo é precioso para mim... II

Alquimista de profissão, corredor de estradas de alma, fazedor de sacos e sonhos de prendas renovadas, de caminhos palmilhados que se re construirão.
Quantas histórias saberá? Quantos chãos diferentes terão pisado tantos sapatos? Quantos caminhos de lama conhecem aquelas botas e em quantos jantares ou bailes de gala já terão dançado as sabrininhas ali?

Os sapateiros são homens de mãos grandes.
Os sapateiros são homens que guardam segredos, que sabem histórias, que lembram andanças e contam aventuras. Todos? Não sei. Não podemos saber isso. Apenas conhecemos e queremos contar o “nosso” Pereira!

“Eu sou Pe-rei-ra!!”, disse um dia o sapateiro. Soletrando, quase, que de seu nome próprio disse ser “muito feio”.
Pedimos-lhe, a dada altura, se nos contava coisas da vida.
Como fazia para trabalhar sempre e rir todos os dias também. Levantar tão cedo e estar na forma em forma sem falta. Sábado ou domingo, dia santo ou feriado... à volta de mais um saco, daquela carteira, de outro artefacto ou coisa simples, mas um dia claro outro de mão suja, a qualquer hora, ainda que muito estapafúrdia, lá se encontra o mestre. Artesão de alma, industrial de coração.

Queria ter sido instrutor. Queria ter ensinado gente e gente e gerações atrás de outras, a conduzir. Queria ter experimentado África a outras cores, outros sons e vidas. Queria ter filhos que soubessem da arte e assim fez. Ensinou aos seus rebentos, ajudou os naturais, instruiu quem lhe chegou à aula. Ensinou toda a vida. Aprendendo. Sempre!“O tempo é precioso, para mim!” diz muitas vezes o sapateiro. Como para nós, não é? Para todos. Para toda a gente. O tempo cerca-nos e aperta os nossos dias. Por isso ele começa a jornada às cinco da manhã. É melhor, diz-lhe a experiência. Não interrompem. Não surgem cliente novos à porta. Não há mais movimento que o girar frenético das suas polidoras, o tic-toc do martelo, o tec-tec-tec sincopado da máquina de costura. Pode começar com os artigos delicados e levar a empreitada de um só fôlego ao domingo, com mãos limpas para trabalho asseado. Pode fazer novas solas, cada molde especial, cada costurice aperfeiçoada das botas mais duras que algum dia alguém viu. Pode ao seu ritmo, com o rádio no on a cantar baixinho as mais belas melodias – “sim, que eu sou esquisito na música!” – refazer testeiras ou fortalecer contrafortes de qualquer sapato, desde cinderela a caçador de lobos, qualquer personagem de conto de fadas pode ali dirigir-se que nova história ouvirá e, como novo, reencontrará sapato ou mala, bota ou mochilão. depois de velho novo se faz!