sexta-feira, agosto 05, 2005

"isto" um dia acaba, não é?

Somos, nós – espécie humana, a única massa vivente com consciência da própria finitude. Pelo menos, com consciência filosófica da nossa própria morte. Da condenação, inerente ao nascimento, que acompanha cada ser vivo. E, no entanto…
Temos consciência de vir a acabar, da pequenez da existência, da própria fragilidade de ser e apesar de tudo, vivemos como se nunca fossemos terminar, como se todo o tempo do mundo fosse menor que o tempo pessoal.
Quanto maiores nos julgamos mais infinitamente pequenos acabamos por nos tornar, não é?
Adiamos sempre tanta coisa fundamental…
Adiamos por ter razões várias que nos fazem esperar um melhor momento para agir.
Adiamos por medo de tanta justificação pequenina, medo de não nos compreenderem, medo de não nos deixarem fazer, medo de não gostarem que façamos assim, medo de não conseguir de outro modo, medo de não ser percebida a nossa razão, medo do medo… mas mais que tudo, medo de ter mesmo de acabar por ir embora desta coisa a que combinámos chamar vida.
É esse medo do medo que nos faz adiar. Na verdade, tudo que não fazemos agora por pensar vir a ser melhor depois… na verdade é só por que acostumámos o pensamento na ideia de perfeição e jogamos momentos únicos da vida ao vento, engalanados por uma ilusão apenas.
Deixamos para depois o gosto mais sublime de ser…
Deixamos para o momento ideal a hora de dizer a quem gostamos o como gostamos e o quanto nos é imprescindível que exista.
Deixamos para outro dia o dia de partir para onde sabemos (por que na verdade sabemos sempre) que seríamos felizes, por que também temos um medo enorme (o maior) de conseguir Ser plenamente.
Somos uma espécie daninha. Tonta. Somos uma espécie avarenta e enrodilhada em palermices assumidas como regras de bom funcionamento colectivo.
Sabemos e fazemos de conta que desconhecemos. Somos crescidos à procura do colinho de mimo que perdemos com o tempo que já vivemos.
Esquecemo-nos do fundamental em nome do imediato. Esquecemos que, afinal, podíamos ter tudo. Podíamos ser tudo. Podíamos ser quem quiséssemos se, na verdade, não fingíssemos a eternidade como nossa aliada. Se resolvêssemos viver arriscando dar-nos. Se arriscássemos a vida atirando-nos a ela.
Se lembrássemos mais vezes que não existiremos para sempre. Que temos esta como a vida que nos cabe engrandecer.
Se todos os dias, ao cair do sol, perguntássemos num murmúrio: e hoje, valeu a pena viver? E hoje, fizeste do dia um dia a lembrar? Disseste o que tinhas a dizer?
Cumpriste-te?

9 Comments:

Blogger maria said...

a Cadelinha Lésse é a culpada deste "desenterrar" de coisa escrita... :)

é engraçado que já nem eu concordo com algumas das afirmações que escrevi há um ano (com a forma, pelo menos!), mais coisa menos coisa... mas lá, no Vida de Cão, fiquei a pensar que já não sabia bem se andaria a cumprir-me e... zumba, recuperei as linhas que aqui ficam. Batam-lhes. Ou não...

Será que nos cumprimos todos os dias?

11:17 da tarde, agosto 05, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Batam em quem quiserem, menos a mim, que vida de cão já de si não é fácil. Maria, estou tentada a ir um dia destes espreitar esse pedaço de paz à beira-rio. Use o meu endereço de email que está na página para me dar o seu, pode ser?

3:07 da tarde, agosto 06, 2005  
Blogger Cadelinha Lésse said...

Maria, agora estive a ler com atenção. Não me parece que as palavras antigas tenham perdido o sentido, pois julgo que batem certo com o que sinto, com o que, provavelmente, sentimos todos. Cada vez mais, pois cada vez menos é o tempo em que reparamos não ter tempo.
E o tempo foge. Vai sempre à nossa frente e, quando menos esperarmos, esgotou-se.
Sempre tive e terei medo da morte. É inevitável, pois bem, e talvez seja isso que mais assusta. Talvez por isso e por nunca se saber quando chega a hora, tenho uma ânsia fora do comum, coisa que me ultrapassa. Tenho de ter tudo no imediato, ou quase, porque amanhã posso cá não estar. Quero tudo de uma vez, porque amanhã posso não poder provar, não poder cheirar, não poder tocar ou ver. Quero. Quero sempre muito mais, se bem que nem sempre faça por isso. É aí que acabo por contrariar a ânsia: ela faz-me querer, mas há uma espécie de barreira que me faz recuar. Talvez se chame medo de não ter tempo de continuar a querer. Quem sabe?

4:44 da tarde, agosto 06, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Os Titãs (CD- A melhor banda de todos os tempos da última semana) respondem bem às angústias comuns do mal uso do nosso tempo de viver. Lá vai o "Epitáfio", do Sérgio Brito;
"Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer.
Devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer.
Queria ter aceitado as pessoas como elas são: cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar.
Devia ter complicado menos,trabalhado menos, ter visto o sol se pôr.
Devia ter me importado menos com problemas pequenos, ter morrido de amor.
Queria ter aceitado a vida como ela é, a cada um cabe alegrias e a tristeza que vier.
O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar."
Andemos, pois! Ainda há tempo.
Abraço.

5:25 da tarde, agosto 07, 2005  
Blogger moon between golden stars said...

O medo de viver intensamente como se este fosse o último dia das nossas vidas... sim devia ser desta forma que deveríamos viver... se cumprimos? acho que não... inevitávelmente fica sempre algo por dizer, por fazer... há sempre alguma coisa adiada para "amanhã"...

Um abraço

2:35 da tarde, agosto 08, 2005  
Blogger Dinamene said...

«La grande affaire et la seule qu'on doive avoir, c'est de vivre heureux.»
Voltaire

4:46 da tarde, agosto 08, 2005  
Blogger Carlos de Matos said...

... NÃO SE CUMPRE NUNCA!
... pode tentar-se...
... e nem sempre é por medo seja do que for!
... é simplesmente assim!

... o que acabo de dizer dá-me que pensar!


Xi

10:36 da tarde, agosto 08, 2005  
Blogger Sérgio Gonçalves said...

Viver. Palavra tão completamente isenta de significado tangível.
Viver, fazer. Nada.
O que somos ou o que seremos. Do nada para o nada, passando pelo inverso do nada.
Viver é todos os dias. É um trabalho de 24 horas.
Vive, fazendo com que cada dia conte,m e não apenas para o calendário. Não por A ou B, mas, porque sim.
O tempo julgará.

10:46 da tarde, agosto 08, 2005  
Anonymous Anónimo said...

a Maria sabe bem..

a Maria tem a razão.. toda.

*

6:15 da tarde, agosto 10, 2005  

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